Republicação do Blog de Ceciliana Maria da Rocha CP, publicado originalmente na Fraternidade Cabalística Os Números do Poder.
Estas fotos coloridas obtidas por volta de 1909 a 1912 na Rússia. São fotos sensacionais que mostram não apenas pessoas importantes da época como presos de guerra, máquinas e até um cachorrinho dormindo. O problema das fotos russas, é que elas são perfeitamente coloridas, quando uma foto padrão daquela época era assim:
Como você já deve ter percebido, eu não escolhi esta foto ao acaso. Como você pode ver na data, trata-se de um registro oficial da família imperial portuguesa, obtida em 1919, ou seja, cerca de uma década após as primeiras fotos coloridas na Russia. A escolha da família imperial se deu justamente porque quem trouxe a tecnologia da fotografia para a América do Sul foi o nosso -genial, culto, pesquisador e dono de uma visão além do alcance – Dom Pedro II.
O brasileiro Dom Pedro II, sempre foi um ponto fora da curva no que tange a um aristocrata imperial. Ele sempre se interessou muito mais por coletar fósseis, analisar moedas antigas encontradas em sítios arqueológicos, em importar tecnologias de ponta como o telefone, de estudar botânica e ler livros sobre física que os mundanos assuntos da corte. O cara nasceu pra ser cientista e tinha que cumprir uma obrigação de bancar de imperador e isso era muito frustrante pra ele.
Em janeiro de 1839, através de notícia publicada no “Jornal do Commercio”, soube da invenção do daguerreótipo. Um ano mais tarde, o abade Louis Compte, capelão de um navio-escola francês que aportara no Rio de Janeiro, fez uma demonstração do processo ao jovem D. Pedro II, então com 14 anos. Mais tarde D. Pedro adquiriu uma câmara e tornou-se o primeiro brasileiro e possivelmente o primeiro monarca do mundo a tirar uma foto. Entre 1851 e 1889 concedeu o título de “Fotógrafo da Casa Imperial” a mais de duas dezenas de fotógrafos.
D. Pedro II também ganhava ou comprava fotografias em suas viagens, tanto nas que realizou pelo interior do Brasil como nas três que fez ao estrangeiro. Encontram-se nessas fotografias, com freqüência, dedicatórias ou anotações de seu próprio punho.
Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bibiano Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga (este era o nome dele) foi colocado no trono do Brasil aos 15 anos, mas isso não impediu que ele estudasse muito, em grande parte por conta própria, e que em seu reinado ordenasse a abertura da primeira estrada de rodagem, a União e Indústria. Também em seu reinado, correu a primeira locomotiva a vapor; foi instalado o cabo submarino; inaugurado o telefone e instituído o selo postal e além de tudo isso, ele contribuiu para que houvesse telégrafo no país.
Pode soar estranho imaginar o imperador do Brasil mais inclinado a uma vida como a do Indiana Jones do que a de um político, mas era bem assim que ele era.
Dom Pedro II se sentia melhor futucando uma tumba egípcia do que em jantares e festas de gala da realeza. Aos catorze anos, D. Pedro II falava quatro idiomas e lia tudo que podia.
Pedro II desde muito jovem foi sócio-correspondente de dezenas de instituições científicas, entre as quais o prestigiado Instituto da França. Manteve correspondência com diversas personalidades proeminentes da época, tendo se encontrado com alguns durante suas viagens ao exterior, entre os quais Nietzsche e Emerson, além de escritores famosos, como Lewis Carrol, Júlio Verne e até Victor Hugo. Dom Pedro II foi o primeiro financiador de Luis Pasteur e Charcot. Então o que temos aqui é uma figura histórica rica, não apenas intelectualmente mas financeiramente, que era ligado a pensadores, cientistas e aos primeiros fotógrafos mundiais. Dom Pedro II era não somente um amante da fotografia (O brasil teve a família real mais registrada em fotos do planeta) como se interessava por toda tecnologia de ponta disponível em seu tempo.
Como foi possível então que uma década antes da fotografia da princesa isabel em preto e branco, uma foto como esta fosse obtida na Rússia:
Essa tecnologia incrível foi inventada por este sujeito aí na beira do ribeirão.
Esta é apenas a cabeça de uma grande coleção de fotografias, que vou mostrar a seguir.
O russo Sergei Mikhailovich Prokudin-Gorskii foi o primeiro homem a tirar fotos coloridas em 1909, antes da fotografia colorida ter sido inventada. Suas fotos são espantosas! Parece que as fotos foram tiradas a poucos anos! Dá pra se ter uma noção perfeita do tipo das roupas, casas e costumes de uma época distante que pouco conhecemos com cores. O trabalho espetacular de Sergei tem uma relevância extra, pois ele tirou as únicas fotos conhecidas de igrejas russas que mais tarde foram destruídas na revolução. A fotografia colorida como a conhecemos só seria inventada na década de 30, o que torna o trabalho de Sergei tão inventivo quanto o de Laplace! A técnica do russo era simples mas genial:
ele tirava três fotografias em preto e branco da cena desejada; mas, antes de tirar as fotos, colocava uns filtros coloridos na frente da lente. Dessa maneira, cada uma das chapas continha informação de apenas uma componente cromática da cena. Para apresentar as fotos coloridas, ele usava um projetor de slides com três lâmpadas, de cores iguais àquelas dos filtros utilizados nas lentes. Ajustando as três imagens para ficarem uma em cima da outra, o efeito final era a composição das três chapas monocromáticas, formando a imagem colorida! O método do russo só não pegou pois tinha um defeito que não podia ser contornado na época: as cenas tinham que permanecer estáticas por muito tempo. Se algum objeto estivesse se movendo, as três chapas gravariam imagens diferentes, gerando borrões coloridos na imagem (isso é bem perceptível em fotos de rios e naquelas que aparece fumaça se mexendo).
Incrível, não? Algumas dessas imagens parecem ter sido feitas semana passada com uma câmera digital comum. Mas aqui está o segredo dessas imagens. Chama-se técnica dos filtros sucessivos:
Entre 1909 e 1912, Serguéi Mijáilovich Prokudin-Gorskii, desenvolveu uma tecnologia única.
A câmera usada na época, tinha três lentes, cuidadosamente reguladas para registrar a mesma imagem. Filtros de cristal colorido eram colocados na câmera, de maneira a formar uma chapa com três tons. Esses tons eram então somados para dar origem a imagem colorida.
Serguéi estudou com renomeados cientistas em São Petersburgo, Berlim e Paris, desenvolvendo as técnicas para as primeiras fotografias a cor.
Dos seus resultados surgiram as primeiras patentes de filmes positivos a cores e de projeção de filmes com movimento. Em 1905, Prokudin-Gorskii concebeu o grande projeto de documentar, com fotografias a cores, a enorme diversidade de história, cultura e avanços do Império russo, para ser utilizado nas escolas do Império. O seu processo utilizava uma câmara que tomava uma série de fotos monocromáticas em sequência muito rápida, cada uma através de um filtro de cor diferente. Ao projetar as três fotos monocromáticas com luz da cor adequada a cada imagem obtida, era possível reconstruir a cena com as cores originais. No entanto, embora fosse químico, ele não conseguiu produzir um mecanismo para realizar impressões das fotos assim obtidas.
Para o seu projeto, o Czar Nicolau II pôs à disposição de Prokudin-Gorskii, um vagão de trem equipado com uma câmara escura e os insumos necessários. O fotógrafo russo obteve todas as permissões para visitar áreas de acesso restrito e contar com o apoio da burocracia do Império. Assim equipado, Prokudin-Gorskii percorreu o império entre 1909 e 1915, documentando-o com as imagens que ilustram este post.
Em 1948, após a morte do fotógrafo, a Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos comprou as imagens e em 2001, organizou a exposição O Império Russo. Para essa ocasião, realizou-se a cópia digital das suas imagens a partir dos três originais monocromáticos de cada foto. E é por isso que podemos vê-las.
De fato, nos tempos do Imperador Dom Pedro II, já era possível fazer imagens coloridas, e foi uma pena que ele não tivesse descoberto isso.
Como as imagens foram produzidas:
As imagens eram obtidas numa fina placa de vidro, e cada objetiva filtrava a imagem em vermelho, verde e azul.
As 3 imagens em tons de cinza eram reveladas e projetadas com luzes coloridas, de maneira que cada projeção batesse exatamente uma sobre a outra. O resultado era mais ou menos assim:
Naquele tempo, uma imagem assim já era considerada a coisa mais espetacular da face da Terra. Só posteriormente, quando a Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos comprou o direito às imagens, é que cada um dos 3 negativos de cada imagem foram escaneados. Então, no Photoshop ou programa similar, a cada um deles foi estabelecido um valor de cor baseado em síntese aditiva (o vulgo RGB):
Cada um dos negativos escaneados foi então ajustado para encaixar precisamente. Algumas imagens permitem isso mais facilmente, por conter pontos de referencia bem marcados:
Após fazer isso, foi necessário apenas corrigir os negativos para obter o contraste, brilho e balanço de cor corretos.
Isso foi necessário porque naquele tempo os produtos químicos e mecânicos usados para obter as chapas eram ainda bastante primitivos, o que gerava inconsistências como subexposição e defeitos decorrentes da degradação das emulsões. Como os negativos são muito antigos, falhas e desgaste natural pelo manuseio também inseriram pequenos defeitos nais imagens, que foram corrigidas usando a tecnologia atual (tipo a capa da Playboy) e assim, a tecnologia atual, somada ao espírito inventivo daquele russo visionário de 1909, nos permitem ver hoje imagens muito próximas à realidade daquele tempo.
É interessante notar que em algumas fotos, alguns erros estão presentes, denunciando a sistemática. Uma das fotos que melhor retrata isso é a do homem no rio, onde podemos ver que a vara de madeira se moveu ao longo da captura, sendo registrada em posições ligeiramente diferentes, o que gerou um “fantasma” cromático ao redor da mesma. E o próprio rio, que incapaz de ficar parado, registrou um efeito de arco-íris.
Neste link você pode ver toda a coleção.
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